jueves, 19 de noviembre de 2015

SI CON EL FADO SE CANTA O LLORA, TAMBIÉN SE PUEDE BAILAR


ENTREVISTA A ANA MOURA EN "O PÚBLICO".

Ao longo dos anos foi-se habituando a gerir as viagens, os hotéis, os rituais de promoção, o andar em digressão assiduamente. De tal forma que já lhe aconteceu acordar em determinada cidade e nem se lembrar onde está. “Aliás já me aconteceu estar em aeroportos para apanhar um avião e nem saber para onde vou. Já sofri com isso, mas depois fui-me habituando. Procuro não me concentrar no lado mais negro da vida, aproveitando as muitas coisas positivas.” 
Em viagem o tempo é sempre pouco, mas abrem-se clareiras. É nessas ocasiões que acaba por assistir a alguns concertos. O que mais a impressionou nos últimos tempos foi o da inglesa FKA Twigs, em Brooklyn, Nova Iorque. “A sala era espectacular, o jogo de luzes incrível, adorei a sua presença em palco e marcou-me assistir aquele concerto.”
A sua conexão com o estar em palco também já foi mais difícil. Na actualidade, o antes, o durante e o depois, são vividos com a naturalidade possível, numa actividade onde os imprevistos acontecem sempre. “Antes de entrar em palco gosto de estar com os músicos e senti-los, falando com eles”, reflecte, “depois entramos em palco e o primeiro tema pode ser marcante, seja para perceber eventuais problemas de som, ou para tomarmos o pulso à sala e à audiência.”
Às vezes, durante um espectáculo, pode sentir que o mesmo não está a correr da melhor forma e se isso acontece pode ser “muito angustiante”. Normalmente são factores externos, como a acústica, que provocam esses estados de espírito, mas existem outros factores. “Já me aconteceu, ao primeiro tema, esquecer-me dos sapatos de salto alto e colocar-me em bicos de pés porque me habituei a cantar com eles”, ri-se com evidente deleite, recordando episódios desses. “Enfim, acabam por ser coisas que nos podem deixar desconfortáveis, mas que acabam por ser superáveis, agora o som é muito importante.”
Curiosamente, a timidez que patenteava em palcos portugueses, foi desaparecendo através das experiências internacionais. Às vezes as pessoas que a conhecem dos palcos portugueses ficam surpresas quando assistem a concertos seus fora do país. “Tenho dificuldades em me dirigir às pessoas entre as canções, mas nos palcos estrangeiros farto-me de falar, brinco, e ponho as pessoas a rir, o que às vezes é surpreendente”. Em parte isso acontece porque sente obrigação de explicar um pouco o que é o fado.
Naturalmente fora de Portugal existe uma relação mais distanciada com o fado. Os conflitos que por vezes irrompem nos círculos fadistas sobre a “autenticidade” ou a “pureza” do género, ou as divisões entre os que se mantém fiéis a uma ideia tradicional e quem segue outros caminhos, são vividos apenas internamente. Perguntamos-lhe se esse maior distanciamento do público internacional não propiciará que ela tenha uma postura mais relaxada. Responde que não é por aí, embora diga que no anterior álbum existiram vozes críticas à abordagem miscigenada. Hoje afirma que desapareceram. “Já não sinto isso, até porque não tenho qualquer pretensão de mudar nada no fado, estou a seguir apenas o meu caminho. As pessoas que entendem que desvirtuo o fado não estão correctas. Não é por aí.” 
Também os discursos sobre um hipotético ambiente competitivo entre fadistas não a preocupam. “Venho de uma família enorme onde a ideia de partilha é fundamental. Tenho essa herança da partilha dentro de mim. Na música a competição não faz grande sentido, até porque se estamos a falar de intérpretes de fado, estamos a falar de intérpretes da alma, e não existem duas iguais.”
É verdade. Mas no fado, como em tantos outros géneros da música popular, existe por vezes um ambiente em redor que propicia a competição. “Sim, no fado existe essa tendência de eleger a rainha ou o rei do fado. Mas isso não me interessa. O que é poderoso é quando se está lá fora e percebemos que as pessoas entendem que viemos de um país com qualidade musical. É isso que tento difundir, que existem muitos bons músicos em Portugal. Os brasileiros, por exemplo, cantam todos uns com os outros, estão sempre a divulgar a música uns dos outros. Parece-me que é por aí.”
No dia em que falamos os acontecimentos funestos de Paris estavam na ordem do dia. Isso e o processo de Luaty Beirão e dos restantes activistas detidos em Angola e acabamos a falar do papel que os artistas podem ou não ter quando se deparam com conflitos sociais ou políticos.
Há uns meses foi convidada por Isabel dos Santos (filha do Presidente de Angola José Eduardo dos Santos) para cantar na inauguração de uma exposição da responsabilidade do marido, Sindika Dokolo, e acedeu. E há dias cantou no concerto Liberdade Já! em Lisboa. Aos olhos de alguns poderá haver aqui alguma contradição e ela tem consciência disso.
ENTREVISTA A ANA MOURA EN EL DIARIO "O PUBLICO"

“Há pessoas que podem ter essa leitura, mas esta é a forma que encontrei de ir gerindo as coisas. Nesse concerto da Liberdade Já! tive gente à minha volta a dizer-me para não ir por causa da carreira, mas senti que devia ir, mesmo que tal gesto possa não ser bem recebido junto de alguns sectores de Angola. Tenho uma ligação com o país e se for importante a minha presença em determinado sitio e se achar que posso fazer alguma diferença, vou sem hesitação. E foi o que fiz.”
Vivem-se dias conflituosos e os artistas podem ter um papel interveniente, embora ela também goste de pensar que a música, e a arte em geral, por si só já são um contributo para uma vida social sadia.


Nos últimos tempos não tem conseguido ir a casas de fado e tem tentado colmatar essa ausência de proximidade com os outros, instituindo sempre que pode tertúlias em sua casa, para onde são convidadas pessoas de diversas áreas. Recebê-las é um dos seus prazeres, mas estar em casa, só, também a fortifica. “Nada me dá mais prazer do que acordar, abrir portas, deixar sair os dois gatos para um pequeno jardim e ficar por ali com eles. Pequenas coisas, às vezes as mais importantes.”

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